03 setembro 2015

A HEGEMONIA SOBRE TODA A TERRA :

The Independent , UK - National Public Radio - WikiLeaks - Carta Capital - Outras Palavras - Le Monde Diplomatique - Sep 2015 clik1 clik2 clik3 clik4 clik5  clik6 
Corporação é Governo Mundial: ultra-capitalismo despótico tenta na surdina extinguir democracia.
Sobre salas blindadas e seus segredos : Num texto publicado há dias, por Outras Palavras, o sociólogo Michel Löwy expõe, em termos teóricos, a crescente tensão entre a voracidade do capitalismo e a fragilidade da democracia, acossada por um sistema que deseja reduzir todas as relações sociais a mercadoria. Para um exemplo concreto, considere este relato, feito pelo jornalista Robert Smith e publicado em 14/8 pelo diário britânico The Independent. “No porão do Capitólio [a sede do Legislativo dos EUA], há uma sala, blindada e a prova de som, e as únicas pessoas autorizadas a entrar são os senadores norte-americanos; e eles não podem levar seus assistentes, não podem levar seus telefones, eles não podem sequer tomar notas no interior da sala. Dentro desta sala, não estão os códigos para as armas nucleares, nem os arquivos da CIA, nem os documentos que nos contam que um alienígena aterrissou em Roswell. 
Não: nesta sala está o texto de um acordo comercial”. Não é ficção, mas algo muito concreto (ainda que desconhecido do público), contou The Independent. Dias antes, restrições idênticas haviam sido estabelecidas do outro lado do Atlântico. A Comissão Europeia determinou que o texto, em negociação, do Tratado Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP, em inglês) só permaneça disponível, mesmo para os membros do Parlamento Europeu, numa “sala de leitura”, onde enfrentarão restrições idênticas às impostas aos senadores norte-americanos. Que são estes acordos comerciais, tramados tão secretamente por governos e grandes corporações, quase sem cobertura alguma por parte da velha imprensa? Quais suas consequências? De que maneira eles podem afetar o Brasil? Responder a estas questões será cada vez mais importante, para os que desejam compreender as configurações atuais do capitalismo – e enfrentar seu poder. À margem de qualquer debate democrático e da própria Organização Mundial do Comércio (OMC), três grandes acordos sobre trocas internacionais estão em debate, em fóruns restritos, neste momento. Seu principal motor é o governo dos Estados Unidos. 
São eles:
Acordo Comercial Transpacífico (TTP, ou Transpacific Trade Partnership, em inglês). Unirá, se aprovado, os Estados Unidos a dez países asiáticos (entre eles, Japão e Coreia do Sul), quatro latino-americanos (México, Chile, Peru e Colômbia), mais Austrália e Nova Zelândia. A China, hoje a nação que mais movimenta o comércio internacional, está propositalmente excluída.
Acordo Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP, ou Transatlantic Trade and Investiments Partnership). Reúne a nata do capitalismo: Estados Unidos e União Europeia (UE). Debatido sigilosamente ao menos desde 2006 (versões anteriores da mesma proposta datam do final do século passado), só teve seu rascunho revelado em março de 2014, graças a um vazamento do jornal alemãoDie Zeit.
Acordo sobre Comércio de Serviços (TiSA, ou Trade in Services Agreement). É o mais opaco de todos – e também o mais abrangente e perigoso. Inclui 53 países: Estados Unidos, toda a União Europeia (UE), a maior parte dos membros do TTP (inclusive Japão e Coreia), mais nações como Turquia, Paquistão, Suíça e, talvez surpreendentemente, Uruguai). 
A partir de junho de 2014, uma série devazamentos do Wikileaks revelou seus primeiros rascunhos. Talvez por seu caráter secreto, o acordo encarna abertamente, como se verá a seguir, cláusulas de bloqueio à democracia. Nenhum membro dos BRICS foi convidado. Mas qual o conteúdo e o sentido político dos acordos? Embora as informações disponíveis sejam muito fragmentárias, devido à natureza ultra-sigilosa das negociações, os vazamentos permitem, aos poucos, compreender o essencial. Fala-se, na fachada, em facilitar circulação de riquezas e conhecimentos. Mas impõe-se um preço amargo: favorecimento das grandes corporações transnacionais; restrição severa da democracia, com bloqueio da capacidade das sociedades e Estados para definir suas próprias leis; ataques aos direitos sociais e ao ambiente. Como este passo é possível?
Tratados secretos para instituir tribunais secretos: suplantar as soberanias de 53 países.

Mas TTP, TTIP e TiSA não buscam apenas abrir, em todo o mundo, o setor de serviços às corporações planetárias. Um segundo objetivo épadronizar as legislações dos países signatários sobre temas cruciais como sistema financeiro, seguridade social, produção e circulação do conhecimento, liberdade na internet, segurança alimentar. Adotada a pretexto de facilitar a “livre circulação” de serviços, esta uniformização tem, curiosamente, mão única. Em todos os casos, atende a reivindicações das transnacionais e atinge direitos sociais e meio-ambiente. O ISDS é um claro limite à própria democracia. Ele permite que empresas (tratadas como “investidores”) processem Estados Nacionais sempre que julgarem que uma nova decisão política provocou redução de lucros – mesmo que não tenha atingido nenhum direito adquirido. A redução da jornada de trabalho, ou a demarcação de uma terra indígena, que interrompe a extração de minérios ou madeira, são casos típicos. Segundo os novos acordos, o julgamento das ações judiciais movidas como base no ISDS não se faz nos tribunais nacionais, como revela o site FullFact – mas sim em cortes de exceção. Trata-se de “tribunais arbitrais”, onde os processos não são públicos e os “juízes” são, frequentemente, advogados de grandes empresas. Alguns casos concretos esclarecem como agem tais cortes. 

Visa protecionismo, e é com EUA no centro: aí isola China e BRICS.
É impossível examinar a relação dos países envolvidos na negociação dos três acordos sem surpreender-se, de cara, com cinco ausências notáveis. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul estão excluídos simultaneamente do TTP, TTIP e TiSA. As cinco nações reúnem quase metade (42%) dos habitantes do planeta e 20% do PIB global. Suas reservas externas superam 5 trilhões de dólares. Todas são participantes destacados do comércio internacional. Juntas, criaram um bloco que representa uma das grandes novidades geopolíticas do século e estão avançando para constituir alternativas ao FMI e ao Banco Mundial. Por que curioso motivo os 59 participantes1 do esforço para estabelecer os três acordos preferiram o Paraguai ao Brasil; Brunei à China; o pequenino Liechtenstein à Rússia; o Panamá à África do Sul? O sociólogo Immanuel Wallerestein começou a explorar a resposta num texto recente sobre o tema. Ele desfaz um mito. Ao contrário do que gostam de dizer seus ideólogos, tratados como TiSA, TTP e TTIPnão estebelecem, argumenta Wallerstein, cenários de “livre” comércio. 
Esta condição só poderia ser alcançada se a redução de barreiras comerciais beneficiasse todos os países participantes do sistema de trocas internacionais. Não é disso que se trata, porém. Tanto os tratados em negociação agora quanto todos os de mesmo tipo que os precederam excluem certas nações. Seu caráter é, portanto, deprotecionismo – seja por interesse comercial, seja por razões geopolíticas. No artigo do Le Monde Diplomatique citado acima, Martine Bulard, arrisca um passo a mais. Para ela, a própria geografia das três áreas de “livre” comércio estabelecidas pelos acordos expõe o interesse e a ação norte-americana, expressa em dois grandes movimentos. O primeiro é ocupar o centro do cenário, na negociação de três tratados que terão, se forem adiante, importância capital para o capitalismo do século XXI. Não é à toa que os EUA são, além de principais impulsionadores do TTP, TTIP e TiSA, o único país presente ao mesmo tempo nas três negociações. O segundo movimento – ligado ao anterior porém mais específico – é isolar a China. Com o TTIP, Washington reforça sua aliança secular com a Europa Ocidental. Mas tanto TTP quanto TiSA visam reforçar o objetivo geopolítico e militar central acalentado pelos EUA nos últimos anos. Implica deslocar-se do Oriente Médio para a Ásia, onde, consideram os estrategistas norte-americanos, vai se dar a disputa crucial pela hegemonia planetária no século XXI.